O Livro Humano vai à Escola | Vitória Silva


A Vitória tem um sonho. Melhor dizendo, tem vários sonhos. E a olhar pela sua persistência, positividade e resiliência, não restam dúvidas de que vai concretizá-los. Até porque a força do nome que ostenta não se coaduna com derrota, conformismo, resignação ou pessimismo.

A Vitória quer e faz por isso. E, por isso, a surdez que a acompanha desde a nascença nunca foi, nem será, impedimento para lutar pelos sonhos de qualquer jovem da sua idade [21 anos], mais os sonhos que perseguem a equidade para a comunidade surda.

Integrada em turmas de alunos ouvintes até ao 3º ciclo, a Vitória sabe melhor do que ninguém o que é ter de trabalhar a dobrar, a triplicar, a quadruplicar… para conseguir acompanhar o ritmo dos colegas ouvintes, sem nunca baixar a fasquia.

E apesar do apoio que sempre recebeu dos professores e colegas, faltou o intérprete de Língua Gestual Portuguesa (LGP) em etapas fundamentais da aprendizagem, o que lhe exigiu um esforço incomparavelmente maior num contexto escolar desigual.

Lutou e conseguiu!

No Secundário, a Vitória integrou uma turma pequenina da Escola Alexandre Herculano (Porto), com apenas meia dúzia de alunos, todos surdos, e passou a contar com o apoio de uma intérprete. Estudou muito, evolui muito e entrou no curso superior que tanto desejava: Psicologia.

Lutou e conseguiu!

Com a entrada na Universidade, o desafio tornou-se ainda maior, pois a nova turma era assustadoramente grande, com cerca de 200 alunos, todos ouvintes. Mais uma vez, teve de “arregaçar as mangas” para acompanhar o ritmo dos colegas, sem nunca ficar para trás.

Lutou e conseguiu!

Se já lhe apeteceu desistir? Sim, mas a sua intérprete de LGP esteve sempre lá, para verdadeiras “injeções” de motivação e lições de resiliência. A mãe, o seu suporte diário, é também um elixir de positividade sempre que a força ameaça desmoronar.

Se já foi vítima do preconceito? Sim, sobretudo no 5º ano, quando alunos de outras turmas gozavam com ela. Por falta de informação e esclarecimento, acredita Vitória, que vê nas ações de sensibilização nas escolas o caminho certo para acabar com o bullying.

Que apelo faz às pessoas surdas? Nunca se fechem no casulo, mostrem-se, abram o livro, nunca desistam, sigam os vossos sonhos, acreditem.

E o que gostaria de ver concretizado a curto prazo? A Língua Gestual Portuguesa como disciplina curricular obrigatória; intérpretes de LGP nas escolas desde a infância; apoio psicológico para pessoas surdas nos serviços de Saúde; trabalho efetivo com a comunidade surda na área da Saúde Mental. Tudo isto e muito mais!

A Vitória sabe bem o que quer e está a construir o seu caminho, passo a passo, participando em ações de sensibilização, estudando Psicologia, servindo de modelo para outros jovens surdos, apelando às instituições, persistindo, resistindo.

Sabemos que continuará a lutar e a conseguir.

E mais! A Vitória só transmite boas energias. Aliás, sentimo-nos verdadeiros cinzentões perante a luz que irradia, tal como naquele dia de chuva torrencial em que nos encontrámos na biblioteca da EB 2,3 Ferreira de Almeida, em Santa Maria da Feira, a escola onde estudou até ao 9º ano e que revisitou para falar da Língua Gestual Portuguesa.

Sim, chovia torrencialmente lá fora, mas estava sol dentro da biblioteca!

Se mais Vitórias houvesse no Mundo, seguramente que o Mundo seria mais luminoso e soalheiro.

Obrigado Vitória!

Fotos: Sessão de sensibilização integrada no projeto municipal “O Livro Humano vai à Escola”, realizada a 16 de novembro, no âmbito das comemorações do Dia Nacional da Língua Gestual Portuguesa