Entrevista a Inês Barros


Inês Barros: a voz feirense que transforma poesia em música


Natural de Santa Maria da Feira, Inês Barros é uma artista multifacetada que tem vindo a construir, de forma consistente, o seu caminho na música. Violetista, cantora, compositora e criadora de conteúdos, alia uma forma sólida formação académica a uma grande sensibilidade artística, refletida nas canções do seu disco de estreia, Poesia.

Depois de participar em programas como o Factor X e o The Voice Portugal, e de atuar ao lado de nomes de prestígio, Inês Barros regressa agora à sua terra natal para um momento especial: no próximo dia 5 de novembro, sobe ao placo do Cineteatro António Lamoso, onde apresentará ao vivo o seu primeiro EP.

Entre a emoção de cantar “em casa”, a maturidade artística conquistada ao longo dos anos e o entusiasmo de partilhar novas canções com o público, Inês Barros falou connosco sobre o seu percurso, as suas inspirações e o que podemos esperar deste concerto.

 

CM Feira: Como é que começou a tua ligação com a música?

Inês Barros: Lembro-me de começar a cantar antes de começar a falar. Foi algo muito natural. Comecei a estudar música aos 10 anos, mas antes disso já cantava e dava espetáculos nas festas de família. Depois, entrei para o ensino articulado e pude começar a estudar música a sério.

 

CMF: O que te levou a escolher o ensino articulado?

IB: Na altura foi a professora Isabel, da escola primária, que reparou que eu tinha algum talento e à vontade. Falou com os meus pais e disse-lhes que valia a pena apostarem em mim. Naquele tempo, estudar música era dispendioso, por isso esperamos até ao quinto ano para entrar no articulado.

 

CMF:  Muitos conheceram-te pela tua participação no Factor X em 2014. Como foi essa primeira experiência mediática?

IB: Foi incrível, porque nunca tinha estado na televisão. Só o facto de ir à capital já era uma coisa de outro mundo nessa idade. Agora vou uma vez por semana (risos). Foi muito bom ver como tudo funcionava por dentro. Na altura, com alguma inocência, porque era adolescente, mas aprendi imenso! Desde a postura em palco até à forma de estar em frente a uma câmara. Foi uma experiência muito enriquecedora, independentemente do resultado.

 

CMF:  Em 2023 voltaste aos grandes palcos televisivos com o The Voice Portugal. O que te motivou a regressar?

IB: Foi muito diferente do Factor X. No Factor X eu queria mesmo muito ir, pedi aos meus pais 557 vezes até dizerem que sim (risos). Na altura fui mesmo ao último pré-casting, em Lisboa, porque no Porto já não havia. No The Voice foi mais: “Porque não?”. Fui um pouco na desportiva.

 

CMF:  Qual das duas experiências gostaste mais?

IB: Da primeira, sem dúvida.

 

CMF:  Porquê?

IB: Se calhar por ter sido a primeira. Na segunda já sabia como tudo funcionava, já tinha outra maturidade e já estava na área da música de forma profissional. No Factor X estava mais motivada, queria impressionar, era a primeira vez que estava a aparecer e ninguém me conhecia. Da segunda vez, já foi diferente.

 

CMF:  Já atuaste com grandes nomes da música portuguesa e internacional — Andrea Bocelli, Cuca Roseta, Mariza, João Pedro Pais... Que momentos guardas com mais carinho?

IB: Acho que todos foram muito especiais à sua maneira. Claro que a primeira vez que se canta para milhares de pessoas é um impacto enorme. Um dos meus sonhos era atuar no Meo Arena e lembro-me de começar a chorar de tanta emoção. Mas percebi que os pequenos momentos também são muito importantes – tocar ou cantar para 50 pessoas pode ter tanta importância como para 25 mil, porque é mais íntimo, estão ali as minhas pessoas e estou a cantar as minhas músicas. Ainda assim, a primeira vez no Meo Arena foi extraordinário. Mais recentemente, tocar com o Bocelli no Estádio de Leiria, foi surreal.

 

CMF:  Aí participaste como instrumentista, na viola de arco?

IB: Sim. A cantar, o momento mais marcante foi o meu concerto de estreia no AgitÁgueda. Apesar de já ter cantado as minhas músicas antes, ali senti-me, pela primeira vez, como as artistas que sempre admirei. Estava num grande palco, com a minha banda, a cantar para uma multidão. Foi o mais impactante até agora.

 

CMF:  Quando foi?

IB: Em 2024.

 

CMF:  Em 2024 lançaste o teu primeiro EP, Poesia. O que podemos encontrar neste trabalho?

IB: Neste disco estão canções que escrevi há muitos anos. Comecei a compor muito cedo – não sei se eram muito boas (risos) – e as que estão no disco vêm desde 2016, 2017. Foram amadurecendo com o tempo, tal como eu. Durante anos achava que cantar e tocar eram coisas separadas, porque tive um ensino clássico e achava que o pop e o R&B não se misturavam com a música erudita. Demorei a perceber que podiam coexistir e que isso até me tornava única. Este disco é a junção destas duas vertentes, com canções que contam as minhas histórias.

 

CMF:  De que falam as tuas histórias?

IB: Falam sobretudo de amor, em todas as suas fases. O amor pelo outro, o amor-próprio, o amor pelos nossos e até o luto. Tenho músicas sobre amizades, como Inesquecível, que gravei com as minhas amigas, e que fala sobre a força que nos dão as pessoas que nos rodeiam. No fundo, aquilo que todos vivemos. Desde o nosso primeiro grande amor ao primeiro grande desgosto, ao aprendermos a gostar verdadeiramente de nós. Outras são mais introspetivas e falam sobre o sentir-me perdida, sem rumo, ou sobre a saudade de alguém que já partiu. É um disco muito emocional e honesto.

 

CMF:  Para além da carreira artística, tens um percurso académico sólido. És mestre em Ensino de Música e tens formação complementar em várias áreas. Como conjugas todas essas dimensões?

IB: Cheguei a um ponto em que simplesmente vou fazendo. Durante muito tempo achei que tinha de escolher uma coisa e isso assustava-me. Gostava de tocar, cantar, compor, criar conteúdos… e fui encontrando formas de ligar tudo isso dentro da música. Fiz a minha dissertação sobre ansiedade na performance e percebi que as várias áreas se cruzam. O segredo está em encontrar o fio condutor entre elas.   

 

CMF:  És violetista da Orquestra Sem Fronteiras desde a sua criação e, desde 2021, criadora de conteúdos da mesma. O que fazes e o que te motiva neste projeto?

IB: Faço conteúdos digitais e gestão de redes sociais. Atualmente temos um programa chamado “O Futuro do Interior pela Criação Artística”, que capacita jovens músicos do distrito de Castelo Branco. A minha principal motivação é dar aos mais jovens o que eu não tive e não sabia onde encontrar: ferramentas práticas e emocionais para viver da música. Coisas tão simples como: “Onde é eu vou buscar apoios; como vendo o meu concerto?”. Isso não se ensina na escola. Não basta tocar bem ou passar 10 horas a estudar. É preciso saber comunicar, gerir a carreira, cuidar da saúde mental. Todas as oficinas são gratuitas, graças aos apoios que temos.

 

CMF:  Participaste em inúmeros festivais internacionais. O que representa para ti levar a tua arte além-fronteiras?

IB: É maravilhoso descobrir outras culturas, ser influenciada por elas e perceber que a música é mesmo uma linguagem universal. Podemos não entender as palavras, mas sentimos a emoção. Levar a minha arte lá fora é conectar-me com pessoas diferentes e perceber que, no fundo, todos procuramos o mesmo: essa felicidade pura de fazer música.

 

CMF:  Dizias que vais uma vez por semana a Lisboa. O que estás a fazer no momento?

IB: Vou muitas vezes a lisboa tocar em eventos. As maiores oportunidades ainda estão um pouco concentradas nas grandes cidades, mas acho que isso está a mudar. Espero, em breve, não precisar de ir todas as semanas para dar concertos.

 

CMF:  Como é ser artista em Santa Maria da Feira?

IB: É muito bom. Ouço muita gente dizer que não há oportunidades, mas acredito que temos de as criar. Quando era mais nova queria fazer muita coisa e sentia que ninguém me ouvia, mas percebi que era preciso amadurecer. Agora, quando as oportunidades surgem, estou pronta. Uma das mais especiais foi cantar as minhas músicas com a Banda Sinfónica da GNR. Foi um sonho realizado, parecia um filme! É daqueles momentos que pensamos: “Ok, é isto, está a acontecer, aproveita.”

 

CMF:  O que podemos esperar da Inês Barros nos próximos tempos?

IB: Um pouco do que tenho feito até agora, mas numa escala maior.  Sobretudo, mais música original. Quem vier ao meu concerto vai ouvir músicas inéditas em primeira mão. Quero continuar a apoiar os jovens músicos e a quebrar estereótipos em relação à música erudita. E, claro, manter sempre a minha boa disposição e a leveza em tudo o que faço.

 

CMF:  Voltando um pouco atrás, consideras que o The Voice ou o Factor X ajudaram a abrir portas?

IB: Em Portugal, todos os programas de televisão podem contribuir para abrir portas, mas o mais importante é o que fazemos depois. São 5 minutos de fama. Se ficarmos à espera, somos esquecidos. Eu aproveitei a visibilidade para lançar as minhas canções e continuar a construir o meu caminho.  

 

CMF:  No panorama nacional, com quem gostarias de partilhar o palco?

IB: Isso é fácil: Carolina Deslandes.

 

CMF:  Porquê?

IB: É a artista que mais admiro – como pessoa, como compositora, como intérprete. Adoro tudo o que ela faz. É um grande sonho meu fazer um dueto com ela ou, quem sabe, acompanhá-la numa orquestra. Era igualmente bom.

 

CMF:  O que é que o público do Cineteatro António Lamoso pode esperar do teu concerto?

IB: Vou apresentar o meu disco de estreia com arranjos originais preparados especialmente para este concerto. Será diferente do que se ouve nas plataformas: um concerto muito enérgico, mas também introspetivo. Vai percorrer várias fases do amor e da vida. É um bom concerto para ir com as amigas, com a família, com o namorado. Acho que o público se vai identificar com o concerto e ter uma ótima experiência.

 

CMF:  O facto de estares na tua terra ajuda ou deixa-te mais nervosa?

IB: Mais nervosa, sem dúvida alguma, mas também é excelente, porque as minhas pessoas vão estar lá. Se não estiverem, vou ficar muito chateada porque desta vez não há desculpas. Estão sempre a dizer-me que dou concertos muito longe… Os meus pais acompanham-me muito, mas agora estou aqui, têm mesmo de vir.

Os concertos em que fiquei mais nervosa foram, precisamente, os que dei em Santa Maria da Feira, porque sabia que que o público me conhecia. Apesar de ser bastante extrovertida em palco, fora dele sou um pouco tímida. Quando as pessoas me abordam, fico sem saber o que dizer. Sinto uma enorme gratidão, mas às vezes é difícil expressá-la.

 

Publicado a 29 de outubro de 2025