Entrevista Pluto


Manuel Cruz, Peixe, Edu e Ruca são os rostos dos Pluto, banda rock que vai apresentar-se no Cineteatro António Lamoso no próximo dia 8 de fevereiro. Donos de uma longa e diversificada experiência musical, falaram-nos sobre a formação da banda, dos caminhos traçados, daquilo que os entusiasma e do futuro. Sem apegos a mensagens ou doutrinas, gostam, sobretudo, de estar bem com o que fazem. Para Santa Maria da Feira prometem revisitações, novidades e expectativa perante um público que, pela primeira vez nos seus concertos, vai estar sentado. Convidamo-los a “rolar” com os Pluto e a conhecer que caminhos percorrem.

 

Como surgiu a banda?

Manuel Cruz: Foi numa altura em que o Peixe tocava com o Eduardo [Silva] nos Dep; eu andava bastante com o Ruca [Lacerda] e os Ornatos [Violeta] tinham acabado. Foi por essa altura que surgiram os SuperNada e os Pluto, um pouco por causa do Ruca.

Peixe: Sim, mas para os SuperNada foi o Ruca que te chamou; para os Pluto foste tu que o chamaste. Tínhamos os dois [Peixe e Manuel Cruz] decidido fazer um projeto novo.

Manuel Cruz: Se não é o Peixe, começo a contar histórias (risos).

Peixe: Disseste-me que ainda era muito novo, mas super fixe, que fazia umas cenas nos pratos de choque. Já conhecíamos o Ruca da altura em que gravávamos para os Ornatos na Escola de Jazz, com a qual ele tinha ligações. Uns anos mais tarde, depois dos Ornatos acabarem, o Manel chamou o Ruca e eu sugeri o Edu. Começamos a ensaiar num armazém do Edu, onde ele fez uma sala de ensaio. Foi aí que surgiu o “Bom Dia”, um ano ou dois depois.

 

Porquê o nome Pluto?

Peixe: Era o nome do meu cão, quando era criança. Pensámos em tanta coisa e, não sei porquê, veio-me isso à cabeça e o pessoal achou piada. Depois, no design do disco tentamos criar uma coisa mais relacionada com o planeta, mas, na realidade, era o cão.

 

Porquê a viragem para um rock mais cru e ligeiramente mais tradicional em relação aos Ornatos?

Manuel Cruz: Quando começamos a fazer um projeto há sempre tendência para criar um conceito, ainda que isso não seja balizado de uma forma imediata. A ideia era fugir ao tipo de banda com um teclado, num formato mais “garajeiro” de guitarras. São referências que depois se perdem, mas que servem para nos localizarmos. Lembro-me de pensar em Pink Floyd e Pixies, não no sentido taxativo, de colar, até porque acho que não temos nada a ver com uma ou com outra. O objetivo era comunicar um conceito, uma coisa simples, como é o caso dos Pixies, com guitarras, e um lado mais psicadélico, que existe um bocadinho nos Pluto.

Peixe: Depois, à medida que fomos ensaiando, fomos evoluindo. Também teve a ver com o Ruca, que na altura era muito jovem…

Manel Cruz: E ouvia Korn (risos).

Peixe: Tocava com uma força descomunal. No primeiro ensaio, quando começou a tocar, ficamos “uau”. Lembro-me de dizer ao Manel: acho que escolheste bem. A mesma coisa em relação ao Edu. Foi uma feliz coincidência, que é os que as bandas são, felizes coincidências. Como não tínhamos teclado, o Manel tocava guitarra elétrica em quase todas as músicas. Ficou então uma coisa de guitarras, com uma bateria potente, e o Edu lá atrás a segurar tudo.

Ruca: Uma das descobertas foi a possibilidade de as duas guitarras poderem fazer coisas muito interessantes.

Manel: Das três: grave, média e aguda. São os sítios do espetro sonoro que queremos ocupar.

Ruca: Não há melhor cenário para meter uma bateria (sorrisos).

 

Os Pluto nasceram em 2002. Lançaram o primeiro álbum, “Bom Dia”, em 2004. Em 2022 voltaram aos palcos e, em 2023, 19 anos depois, lançaram o tema “Túnel”. Porquê quase 20 anos de intervalo?

Ruca: Estivemos em stand by. Íamos fazendo umas sessões de vez em quando e gravando umas ideias novas.

Manel Cruz: A banda não acabou, mas também não continuou.

 

Foi opção?

Manuel Cruz: Foi acontecendo. Fomos fazendo uma pausa que se foi prolongando e a vida passa. Queríamos fazer músicas novas. Volta e meia juntávamo-nos e gravávamos mais uma catrefada de coisas. Depois, olhávamos para tudo aquilo e voltávamos a deixar passar um tempo. Era preciso aprender as músicas antigas… quanto mais o tempo passava, maior parecia a odisseia. Era preciso um pretexto para voltar, que acabou por ser um convite do Salgado, que faz o Salgado Faz Anos… Fest!, para tocar nos Maus Hábitos. Na altura pensamos: vamos sacar as músicas sem o compromisso de voltar.  É um pretexto porreiro para pegarmos nas coisas.

Peixe: Deu-se o caso de estarmos na fase final da pandemia. Ainda se usavam máscaras e testes de controlo, mas já se sentia algum alívio e aquela festa foi uma rebaldaria. Toda a gente apanhou covid, mas foi um momento libertador. Ao fim de quase dois anos de confinamento, foi uma catarse enorme. Foi tal a razia, que no ano a seguir o set do DJ de serviço chama-se “O último gajo que não apanhou Covid” (risos). O concerto foi tão especial que ficamos a pensar que tocar em bares era muito fixe. Queríamos repetir aquele momento e foi por aí que começamos. Os concertos obrigam as pessoas a estar juntos e há coisas que acontecem e vontades que aparecem naturalmente. Começamos a fazer músicas novas, a pegar em músicas que já tínhamos feito, mas que não tínhamos editado, que é o caso de “Quadrado”, que saiu entretanto. Agora estamos a pensar fazer um álbum que compile estas coisas.

 

Houve nervoso miudinho quando voltaram aos palcos passados quase 20 anos?

Manuel Cruz: Houve de certeza, mas com os Pluto acontece uma coisa engraçada: as coisas são muito “adrenalínicas”. Quando fazemos os ensaios e sentimos a parede que somos todos nós, dá-nos muita confiança. Parece que cada uma das partes sozinha não é nada, mas quando estamos todos juntos quase que conseguimos prever a sensação de estar em cima do palco e sentimos muita segurança. Estávamos com muita vontade de tocar.

 

A propósito da música “Quadrado”, o Manuel Cruz disse que “tudo é supostamente estático quando resistimos à mudança”. Essa afirmação pode ser aplicada à vossa constante mudança no mundo da música? Estão onde pensavam não estar ou estão onde queriam estar?

Manuel Cruz: Acho que estamos onde queríamos estar, na medida em que nos sentimos entusiasmados com o que estamos a fazer, independentemente daquilo que estamos a fazer. Não há um plano daquilo que queremos fazer ou da imagem que queremos ter. Temos o plano de continuarmos a sentir-nos ligados à música e entusiasmados, a sentir. Essa pica em banda acontece quando nos juntamos e fazemos coisas e, mais do que a memória das músicas, o importante é voltar a sentir esse entusiasmo.

Peixe: No trabalho artístico não é suposto estar onde se quer estar. O trabalho artístico vem de uma certa inquietude que tem a ver com a procura. Estar numa zona confortável não é, normalmente, o sítio do artista. O que é atrativo nesta vida é ir encontrando energias, pessoas novas e outras que, não sendo novas, nos trazem entusiasmo. Nunca há um sítio previsto para chegar, por isso, também nunca há um sítio onde se quer estar.

 

Todos integram diferentes projetos. Quando é que decidem se uma música é dos Pluto, dos Ornatos ou de outro projeto?

Manuel Cruz: Curiosamente, ontem falava com o Paulo Praça e ele dizia-me que quando estou nos Ornatos nota-se que é Ornatos, quando estou nos Pluto, nota-se que é Pluto. Isso tem a ver com o contágio daquilo que os outros estão a fazer e é assim para todos os elementos das bandas. Aquilo que os outros estão a fazer acaba por impedir que seja outra coisa. É quase como se estivéssemos a decorar uma sala e tu, naturalmente, vais vestir a tua parte de forma a que sejas adequado e harmónico com o que está à volta. Estou perfeitamente consciente disso e acredito que a maior parte dos artistas pensa assim. Quando estamos dentro de uma banda estamos conscientes de que há um conceito próprio, uma estética que perseguimos, que compõe aquele universo. Isso acontece num baixo, numa guitarra ou numa bateria. A própria escolha dos instrumentos também baliza isso.

 

Já aconteceu terem um tema destinado a uma banda e ir parar a outra?

Manuel Cruz: Já. Faço coisas para o meu projeto a solo, ou para os Pluto e, às vezes, penso: isto tem cara de Ornatos. Isso sente-se.

Peixe: Também tem a ver com a maneira como é recebido pelos companheiros. Às vezes podes aparecer com uma ideia, um "riff"… tocas um bocadinho e o pessoal não se interessa. Depois, toco noutra banda e o pessoal reage e diz que é fixe. Tem tudo a ver com as ideias que chegam, e o grosso das ideias são do Manel, que já traz canções, e da intuição dele do que é mais para aqui ou para ali. Depois também depende da energia que um determinado trabalho nos transmite.

Manuel Cruz: Há uma margem de intencionalidade, acaso e de sorte

 

Costuma dizer que a arte muda mentalidades. Acredita que os Pluto vão contribuir para uma mudança? E que mudança querem ver realizada?

Manuel Cruz: Acho que contribuímos sempre para uma mudança. Se não pensamos na quantidade, mas na qualidade, percebemos a diferença que fazemos na vida das pessoas. Não só os Pluto, mas a música em geral predispõe as pessoas para um espírito que veicula as mensagens de uma maneira mais direta e mais emocional, daí o poder da música. Gosto da ideia de contagiar a sociedade com um certo existencialismo e com dúvidas. Gosto de semear dúvidas e não certezas e isso é necessário na nossa sociedade.

 

Disse, numa entrevista, que agora tem mais noção da importância das suas letras. Que mensagens passam os dois novos temas “Túnel” e “Quadrado”?

Manuel Cruz: A mensagem de “Túnel” tem muito a ver com o controlo dos impulsos, com a energia que temos e que podemos veicular para vários objetivos, para várias coisas. Fala sobre o controlo dessa energia para um sentido positivo em vez de um sentido agressivo e violento. Não tem propriamente uma moral, mas é sobre essa ideia.

“Quadrado” tem a ver com a noção de que a mudança é inevitável e de que é inevitável crescermos e termos uma ação na vida. Até podemos ser quadrados, mas vamos rolar na mesma. Podemos rolar pior, mas não vamos ficar agarrados às nossas ideias. Se o fizermos, vamos prejudicar-nos e prejudicar os outros. De uma maneira ou de outra, nem que seja de arrasto, vamos ter de sair do sítio.

 

Que novidades se podem esperar dos Pluto?

Peixe: Esta semana vamos estar em residência a trabalhar. Estamos a fazer músicas novas e a resgatar alguns temas que temos do tempo do “Bom Dia”, que ficaram de fora. A ideia é criar um espólio de canções novas, compilá-las e editar um álbum. Já editamos dois singles. É provável que ainda editemos mais músicas avulsas até sair essa compilação, mas, para já, a ideia é fazer música nova.

Manuel Cruz: Quando recomeçamos, tocamos nos bares as mesmas músicas. Depois começamos a fazer coisas novas e à medida que vamos criando mais, ficamos satisfeitos com o resultado. Não é imediata essa coisa de sentir a nova terra, acho que vai de continuar. Fizemos o “Túnel”, editamos “Quadrado”, estamos a gravar “A minha Vez de Construir”. Estamos com muitas ideias e, a dada altura, começamos a sentir que as coisas começam a sair de uma forma mais fácil. Isso tem a ver com a sintonia. Estamos numa banda, mas não chega ser músico. Temos de estar sintonizados, criar um ecossistema. Independentemente de as músicas serem boas ou más, a maneira como as resolvemos, como as tocamos, a assiduidade são os fatores mais assinaláveis.

 

Vão haver mudanças na linha musical?

Ruca: Já nos conhecemos há bastante tempo e, por isso, já conseguimos imaginar e conhecer um bocadinho dos gostos de cada um, mas continuamos a querer ser surpreendidos uns pelos outros. Estamos nessa procura.

 

Depois de tocarem em alguns dos palcos mais emblemáticos do país, como é tocar em ambientes mais intimistas, como é o caso do Cineteatro António Lamoso?

Peixe: No caso dos Pluto, gosto mais de tocar para público em pé. À parte das limitações técnicas que acontecem, por exemplo, em bares, ou de alguns malucos que estão na primeira fila quase a saltar para o palco, gosto muito de locais mais pequenos, sobretudo com os Pluto, que é uma banda rock com um som muito poderoso. Gosto dessa intimidade, mas Pluto devia ser em pé (risos).

Manuel Cruz: É uma coisa diferente. Não estão apenas a ouvir um concerto. É quase como ver um filme.

Peixe: Acho que nos vai influenciar de alguma forma. Pelo menos com os Ornatos senti isso. Olhar para a plateia e ver as pessoas sentadas a contemplar, que é uma coisa que eu nunca tinha visto.

 

De que forma podemos aliciar os feirenses para este concerto?

Peixe: Oferecemos uma fogaça à entrada (risos).

Manuel Cruz: Isso é levar areia para a praia! Levamos a manteiga (gargalhada). Vamos tocar músicas recém gravadas, algumas que não estão editadas. Vai ser o primeiro concerto dos Pluto para pessoas sentadas, que para o publico é igual (risos).

Peixe: Para as pessoas que já conhecem “Bom Dia” - e parece que foi um álbum muito importante para muita gente -, se calhar vão ter vontade de estar presentes. À medida que vamos tocando pelos bares e cruzando o País, mesmo sendo uma banda muito menos mainstream que os Ornatos, damo-nos conta de que houve muito contato com o disco. Vamos incluir no concerto os temas “Túnel” e “Quadrado” e várias músicas que ainda não estão editadas. É uma oportunidade para ver para onde o grupo está a caminhar.

 

Voz e guitarra – Manuel Cruz

Guitarra - Peixe

Baixo - Eduardo Silva

Bateria - Ruca Lacerda

 

Entrevista realizada a 4 de fevereiro de 2025